A exposição O inferno são os outros, com obras da artista Ana Torrie (Porto, 1982), integra o ciclo de programação de exposições temporárias na sala 0 da Casa das Histórias Paula Rego, dedicado a articular a Coleção do Museu com a produção artística contemporânea. Nestas mostras apresentamos obras que se cruzam com o universo de Paula Rego, quer pela via da figuração, quer pelo seu conteúdo narrativo.
Recorrendo à metáfora do parque de diversões enquanto espaço recreativo, de liberdade e fuga à realidade, propiciador de experiências sensoriais e emoções fortes, Ana Torrie apresenta as suas obras como atrações visuais num labirinto de escolhas múltiplas, incitando o espectador a atravessar os diversos portais queconduzem às suas obras. Carregados de significados que apontam para a simbologia das obras que enquadram, os portais transportam-nos para um universo único em que as crianças são protagonistas e revelam o seu lado selvagem e brutal, bem como o seu potencial subversivo, numa tensão sempre explícita entre a inocência e ferocidade.
A alegoria dos círculos do Inferno descritos em A Divina Comédia de Dante Alighieri é a referência principal para a construção narrativa e figurativa
da exposição, criando um espaço simbólico onde a diversão, a liberdade, a angústia e o caos se misturam. Feras e Fúrias e a instalação constituída pelas peças Nós, as filhas da lama e Onde a erva murmura convocam diretamente figuras simbólicas da travessia conduzida por Virgílio pelo Inferno. Torrie encontra nesta temática um irresistível apelo — tal como outros artistas que se propuseram ilustrar o poema do século XIV, como Gustave Doré —, mas a sua abordagem diferencia-se pelo seu discurso intimista. Nas suas ficções visuais e narrativas o irreal e o real encontram-se através da figuração de submundos similares onde o imaginário da infância é sempre a referência e a memória fantasiada que se cruza com os dramas do mundo presente.
As lutas pelo poder, pela igualdade e liberdade, o medo e o sofrimento, o declínio e a destruição do mundo tal como o conhecemos são explorados com uma acutilância gráfica intrincada que se revela sobretudo na incisividade do desenho nos sulcos das matrizes de madeira e linóleo, cobre e zinco.
Curadoria: Catarina Alfaro e Ana Torrie